Nos últimos anos tenho me dedicado à aplicação de cursos psicoeducativos para professores em escolas de todo o país e também no exterior. De todos os temas relativos aos problemas comportamentais de crianças e adolescentes na sala de aula, aquele que sempre despertou o maior interesse e preocupação de educadores foi o bullying. Essa palavra inglesa desperta os mais diversos sentimentos, pois a dor provocada em suas vítimas se transforma em cicatrizes para o resto da vida.
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, uma pesquisa realizada no Brasil em 2008 pela International Plan Brasil, uma organização não-governamental de proteção à infância, pesquisou cerca de 12 mil estudantes de escolas brasileiras e constatou que 70% dos alunos pesquisados afirmaram terem sido vítimas de violência escolar. Outros 84% desse total apontaram suas escolas como violentas. Esses dados reforçam a ideia de que alguma coisa precisa ser feita para modificar essa triste realidade. E, após o triste massacre ocorrido na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, tornou-se ainda mais urgente debater o assunto.
Uma questão que deve ser enfatizada é o caráter global que o bullying representa, atingindo escolas no mundo inteiro. Nesse ponto a violência escolar tem um caráter democrático, atingindo estudantes de colégios em países ricos e pobres, localizadas em grandes metrópoles e centros urbanos ou em pequenas e remotas comunidades e vilarejos da zona rural. Escolas pequenas, com poucos alunos ou grandes instituições de ensino, tradicionais e de disciplina rígida ou de ensino liberal, aplicadoras de diferentes métodos pedagógicos, de orientação religiosa ou não, todas sem exceção, convivem com o comportamento bullying.
Por esses motivos supracitados decidi escrever um guia para pais e professores que pudesse orientá-los na identificação de possíveis vítimas dessa calamitosa epidemia de violência que agride, maltrata e assusta nossos filhos e alunos, dando também uma opção de tratamento definitivo através de um programa antibullying realmente eficiente e que possa ser colocado em prática dentro de qualquer instituição de ensino brasileira, levando em conta nossas características regionais particulares.
O bullying pode ser definido como o comportamento agressivo entre estudantes. São atos de agressão física, verbal, moral ou psicológica que ocorre de modo repetitivo, sem motivação evidente e executada por um ou vários estudantes contra outro, em uma relação desigual de poder, normalmente dentro da escola, ocorrendo principalmente na sala de aula e no recreio escolar. A palavra bullying é um termo inglês e deriva do verbo to bully que significa ameaçar, intimidar e dominar. Não existe uma tradução exata para esse termo, mas a expressão resume bem o conjunto de comportamentos agressivos que tanto preocupa pais e professores.
Bullying entre estudantes é um fenômeno antigo. Provavelmente é um problema que sempre existiu, entretanto foi a partir dos estudos do pesquisador nórdico Dan Olweus no início da década de 1970 que o problema passou a ser estudado com maior interesse pela comunidade científica internacional.
Todos nós precisamos entender que o bullying tem a ver com poder. Quando identificamos, por exemplo, dois estudantes brigando, onde não existe um desequilíbrio de forças, isto é, ambos são munidos de capacidades físicas e psicológicas semelhantes e não há uma assimetria nessas relações de poder, não estamos lidando com o bullying.
Então o comportamento bullying sempre segue um padrão, onde teremos uma relação desigual de poder em que um ou mais alunos tentam subjugar e dominar outros jovens. O estudante alvo de bullying pode ser exposto a diferentes formas de agressão, entretanto não é capaz de se defender e esse desequilíbrio de poder determina a repetição e a manutenção desse comportamento agressivo de estudantes que tentam a todo custo dominar e humilhar o outro aluno.
O bullying é um fenômeno que tem sido descrito em escolas de todo o mundo e infelizmente é uma experiência comum para crianças e adolescentes. Estudos realizados em diferentes países indicam que mais de 30% de todas as crianças em idade escolar são ou já foram vítimas de bullying nas escolas e pelo menos 10% dessas crianças são vítimas regulares desse tipo de violência.
Basicamente os sintomas do bullying podem ser divididos entre quatro categorias: física, verbal, moral ou psicológica e sexual. Os sintomas de agressão física estão relacionados com atos fisicamente violentos como bater, chutar, empurrar, derrubar, ferir e perseguir. Os sintomas verbais são os xingamentos, ameaças, intimidações e gritos. A violência moral ou psicológica está relacionada com outros atos violentos que agridem a alma da pessoa. Nesse caso a autoestima do agredido é devastada por ações que visam humilhar, desqualificar, amedrontar e aterrorizar o estudante através de apelidos, ofensas, discriminações, intimidações, gozações e exclusão social.
A quarta categoria de agressões se refere às intimidações de caráter sexual, caracterizado por insinuações, assédios e tentativas de abusar e violentar a vítima. Nesse tipo de bullying as grandes vítimas são as meninas, pré-adolescentes e adolescentes que na maioria das vezes convivem com esse tipo de violência também em outros ambientes sociais como em festas, clubes e ou durante a prática esportiva.
Podemos também classificar o bullying pela forma como as agressões são dirigidas às suas vítimas em duas categorias: o bullying direto e o bullying indireto. No bullying direto presenciamos ataques deliberados, onde o agressor ataca sua vítima de forma verbal, através de xingamentos, ameaças e intimidações ou fisicamente, através de chutes, socos e empurrões. São os atos mais facilmente identificados e executados principalmente pelos meninos.
No bullying indireto presenciamos atos velados, escondidos, onde o agressor ataca sua vítima de forma subliminar. Normalmente esse assédio é executado através de difamação, isolamento e exclusão social, por exemplo.
Essas características são marcantes na hora que descrevemos os perfis masculinos e femininos de agressores. Nos meninos costumamos identificar atos mais agressivos e hostis prevalecendo a força física e ações mais diretas e violentas, enquanto que as meninas tendem a serem mais indiretas nas agressões, praticando principalmente atos de exclusão, inventando histórias difamatórias, criando intrigas, espalhando fofocas, por exemplo. Talvez pela presença de comportamentos mais disfarçados e muitas vezes escondidos, o bullying entre as meninas pode ser mais difícil de identificar e tratar.
Nos últimos anos, a facilidade com que jovens se comunicam pela rede mundial de computadores tem ajudado na popularização de um novo fenômeno: o cyberbullying. Trata-se da versão multimídia dessa violência escolar e que adquire uma distribuição epidêmica a cada dia que passa, acompanhando o crescente interesse de crianças e adolescentes pelo mundo virtual, se transformando em uma das formas potencialmente mais perigosas e traiçoeiras de violência na escola.
Esses atos de bullying realizados através da internet têm ainda um caráter mais perverso, covarde e que torna o cyberbullying uma ferramenta muito poderosa para aterrorizar outros estudantes. Trata-se da possibilidade de realização das agressões de forma anônima e indireta. Ela permite que seus autores se escondam atrás de identidades falsas ou através de mecanismos que os mantenham no anonimato. Desta maneira os alvos podem ser repetidamente agredidos, humilhados e ainda assim descobrir quem o agride pode ser algo muito difícil de ser realizado.
As consequências para os alunos que são vítimas de bullying são devastadoras. Esses estudantes experimentam um grande sofrimento psíquico que pode interferir intensamente em seu desenvolvimento social, emocional e em sua performance escolar.
Os estudos científicos evidenciam que devido à série de violência sofrida repetidamente por esses alunos, os prejuízos a longo prazo podem ser irreparáveis. Normalmente encontramos crianças e adolescentes com níveis de estresse altíssimos e apresentam mais chances de apresentar prejuízos acadêmicos graves, provocando muitas vezes a reprovação escolar, além do desinteresse pelos estudos, mudanças sucessivas de escolas na tentativa de fugir das agressões e até o abandono dos estudos. Isso mesmo, jovens estão deixando de estudar, perdendo oportunidades de um futuro melhor, pois não se sentem seguros dentro das salas da aula.
Crianças e adolescentes alvos de bullying apresentam maiores chances de ter menos amigos, de apresentar insônia, problemas de autoestima, depressão e de desenvolver transtornos ansiosos como a fobia escolar, um medo exagerado de frequentar a escola e que pode prejudicar muito seus estudos.
Outra grave consequência do bullying é a prevalência de índices elevados de pensamentos de morte e ideação suicida. Nesses jovens, o risco aumentado de tentativas de suicídio existe principalmente quando há um quadro depressivo instalado e quando os níveis de estresse são muito elevados.
Com relação ao agressor, as consequências são devastadoras também. Identificamos que esses estudantes apresentam maiores chances de fazer uso abusivo de álcool e outras drogas, maior envolvimento em brigas corporais, criminalidade, possessão de armas, problemas com a justiça e atos delinquenciais, como furtos, agressões e destruição de patrimônio público, por exemplo.
Outro dado importante é que esse padrão agressivo de comportamento demonstrado no colégio tende a se repetir na faculdade, no ambiente de trabalho e na vida adulta de uma forma geral. Os filhos desses pais agressivos, violentos e autores de bullying apresentam maiores chances de sofrer abuso físico e psicológico por seus pais e de desenvolver também o comportamento bullying no futuro.
A melhor e mais eficiente estratégia de combate a essa violência é a aplicação de programas anti-bullying na escola, aumentando o conhecimento, alertando e capacitando pais, professores, coordenadores pedagógicos, demais profissionais da educação e sociedade de um modo geral. Esse programa deve visar a prevenção de novos casos de violência escolar e tratar os casos existentes na instituição de ensino.
A busca pela melhoria das relações sociais entre os jovens deve utilizar-se de conceitos de ética e moral para ajudar no desenvolvimento de um ambiente escolar saudável, seguro e acolhedor para todos. Isso tudo favorecerá a promoção da aprendizagem e estimulará uma cultura pacifista na escola e na vida de uma forma geral.
Gustavo Teixeira é médico psiquiatra infantil, especialista em psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduado em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo e em Saúde Mental Infantil pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. É autor de Manual Antibullying (Editora Best Seller), Professor visitante da Bridgewater State University e editor-chefe do website
www.comportamentoinfantil.com